sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A EDUCAÇÃO NATURAL FAMILIAR



Por: MICHEL CREUZET
(23 de março de 1923 – 17 de agosto de 1986)
 

MICHEL CREUZET  nasceu em Saint-Etienne no dia 23 de março de 1923. Foi um dos mais antigos membros da Cité Catholique e um mais fieis colaboradores de Jean OUSSET. Fez parte da linha de frente do antigo "Ofício Internacional das Obras de Formação Cívica e de Ação Cultural segundo o Direito Natural e Cristão", ao lado do já citado Jean OUSSET, Gustave TTHIBON, Jean MADIRAN, entre outros. É autor de ensaios que não perderam em nada a atualidade, como, por exemplo, o que escreveu sobre os Corpos Intermediários. O excerto que ora apresentamos aos nossos leitores é de interesse universal. Em todos os países o problema da família e, por conseguinte, da educação familiar, é dos mais inquietantes, mormente após a Revolução da Sorborne, de maio de 1968, com o seu pernicioso lema "é proibido proibir", que parece ter atingido o seu cume na hora presente com legislações que prescindem de qualquer valor moral e religioso com o fito sobrepujar a Lei Natural atribuindo legalidade ao divórcio e uniões sodomitas.  Assim, Creuzet nos mostra que cumpre crer, afirmar e reagir desassombradamente contra os erros de uma sociedade envilecida pelos falsos princípios que a estão levando à ruína. 

Desde sua concepção, a criança é parte integrante da comunidade familiar. O título ao qual tem direito em primeiro término é o "filho". Com seu sobrenome os pais outorgam à criança o sinal mesmo de sua individualidade: seu nome. O desenvolvimento físico de um pequeno animal é mais rápido que o da criança. Muito cedo corre e procura seu alimento e logo abandona seus pais que se desinteressam por ele em seguida.
Como todos sabemos, não ocorre o mesmo com o gênero humano; a mãe ensina seus filhos a caminhar, falar, alimentar-se, vestir-se. O despertar de um espírito tem por centro a família. Normalmente é nela onde se elaboram os primeiros conhecimentos. Ali se adquire o sentido das realidades, da qual o jovem terá tanta necessidade no momento de sua formação intelectual. Ali se adquire normalmente o amor a verdade. Assim, os pais dignos deste nome fazem guerra à mentira. Não toleram uma visão puramente subjetiva das coisas, donde os sonhos transformam a realidade. Assim, há razões para surpreender-se, quando os pais proclamam: "meu filho maior é católico, a menor é budista e o terceiro acaba de entrar no partido comunista". Cada um encontrou sua via naquilo que acredita ser a verdade. Este indiferentismo revela uma ruptura entre o que os pais hão ensinado ao filho e o que aceitam logo dele. Imaginemos uma família na qual cada criança siga "o que acredita ser justo", donde alguns tiveram o sentido do bem e do mal, enquanto que outros julgam a moral "depassée" (superada, passada de moda). É esta inconsistência de principio o que tais pais e mães julgam saudável. Por veleidade a família capitula frente a suas responsabilidades. Veem-se logo as tristes consequências.
Se o uso pleno da razão fosse dado à criança de 10 anos, talvez poderia alguns contentar-se em mostrar-lhes a hierarquia dos bens e deixar a sua livre escolha o cuidado de decidir entre eles. Isto, que é já presunçoso nos adultos, como não o seria então nessa criança que carece de maturidade?
Não se joga ao vento a planta delicada, débil, sem raízes. Os pais têm que conduzir seus filhos na mão.
No entanto, a educação familiar exige uma preocupação cotidiana. O menor escândalo pode ter repercussões futuras profundas. Quantas vidas são perturbadas por causa do mau exemplo de pais desunidos, divorciados ou que, por covardia, deixam ao alcance da criança não importa qual seja a leitura ou ver não importa qual espetáculo, frequentar não importa que círculo de amizades.
Reduzir a educação familiar a vigiar as manifestações criadoras do jovem prodígio sem desapontá-lo sob pena de "complexos" e "regressões" é um engano e um crime. Um engano, pois padecerá sempre influências: não se cultiva uma planta sem água nem calor. É um crime, pois a realidade se inscreve contra o mito da criança naturalmente boa. Não forçar o espírito, a vontade da criança no sentido do bem, é abandoná-lo a seus instintos e inclinações mais baixas, que prontamente o dominarão.
É deixar lugar as influências más sobre as boas. Não se deixa a um filho beber veneno, nem brincar com armas carregadas. E deixá-lo então desarmado, sem juízo retor, nem vontade firme, presa das múltiplas tentações?
A educação familiar não se limita apenas em produzir "elementos bons" dentro da sociedade para os distúrbios nas ruas. "A natureza não contempla só a geração da criança, senão também seu desenvolvimento e seu progresso para levá-lo ao estado perfeito de homem, é dizer, no estado de virtude”.
 
1. Atitudes, direitos e deveres naturais dos pais na educação de seus filhos. 

Orientadores, psicólogos, docentes, médicos, escolas especiais aportarão aos pais um concurso precioso. No entanto, eles não substituirão a educação familiar.
"Que educador, escreve Chesterton, haverá seguido, como os pais, a criança desde o berço e terá tempo de fazer um justo discernimento das inclinações do espírito e das aptidões particulares de cada aluno? Terá por acaso a perspicácia e o amor de uma mãe?
"Os pais são insubstituíveis. Buscai o educador oficial que tenha o gosto, o tempo livre, a atitude que exige esta lenta iniciação do espírito, do coração, da consciência, que se opera no lar, ainda assim quando esta oficina da vida não proporciona mais que um mínimo de recursos (...). Esses truísmos são verdades e terminará por voltar sobre eles, pois substituindo os pais por espécies de funcionários, não se terá encontrado mais que encontrará no se ha encontrado más que uma tampa que não chega tampar o buraco".
"É simplesmente prescindir de uma força natural e pagar por uma artificial, como se um homem regasse uma planta sustentando com uma mão uma mangueira e com a outra um guarda-chuva para resguardá-la da chuva. Mas isso não dará nenhum resultado, nem sequer em teoria. Não se pode fazer sempre a limpeza dos outros; é na família onde se lava a roupa suja, sobretudo quando se trata de fraudas. Só os pais poderão dar a seus filhos suficiente solicitude e cuidados. A expressão "abnegação maternal" aplicada a uma mulher que vê passar sem trégua os filhos por suas mãos, não é mais que uma amável metáfora".
No entanto se dirá: Se os pais são torpes, ignorantes da ciência pedagógica, enceguecidos por um afeto mal entendido? Ainda nesse caso terão sobre os pedagogos mais sábios e melhor preparados uma vantagem, a do amor aos próprios filhos e o amor por si só.
Quantos excelentes mestres romanos se cansaram do aluno Agostinho, quantos "orientadores" profissionais não souberam onde dirigi-lo, ao passo que a paciência, as orações, as lágrimas e o amor maternal de Santa Mônica o levaram a mudar de vida, fazendo dele um grande Filósofo e um Padre da Igreja!
Falamos de excelentes mestres, de honestos orientadores; não há necessidade de falar de excelentes mães. Que mãe normal não houvera intentado o que Mônica alcançou?
Inversamente, os pais indignos escandalizam a opinião. Mas se fala pouco de antros de educação indignos. Em todo caso, isso surpreende menos, porque o laço com a criança é menos estreito, normalmente, que na família. A educação no lar apresenta vantagens. É continua; os pais menos dotados fazem pedagogia, mesmo que sem saber, porque o amor de seus filhos os leva naturalmente a compreendê-los, a resolver seus problemas, a ajudá-los em tudo que podem.
A educação familiar é pessoal. Conhece-se a cada um dos filhos com suas qualidades, com seus defeitos e suas reações habituais. Como professores desbordados poderiam educar os seus alunos, um por um, como em uma família, ainda que com sua capacitação e com sua abnegação?
 
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Fonte: La enseñanza. Buenos Aires: Ediciones del Cruzamante

CARTA AOS PAIS


ANDRÉ CHARLIER
(1895-1971) 

Esta carta de André CHARLIER merece ser lida duas vezes. Uma, por seu conteúdo e oportunidade; Outra, tendo-se em vista a data em que foi escrita, 22 de outubro de 1954, quando Charlier era diretor da escola preparatória de Clères, na Normandia. Embora escrita para pais franceses, estas breves reflexões certamente interessarão ao leitor brasileiro.  

Prezados amigos, escrevi há muitos anos "cartas aos pais", e parei de escrevê-las, uma vez que, no final, não via utilidade. Elas não persuadiam senão aqueles que já se encontravam persuadidos. Muitos me escreviam: «Como o sr. tem razão!», mas não passavam desta aprovação platônica. Ora, tenho muito pouco tempo para escrever coisas inúteis. Se escrevo aos senhores hoje mais uma vez, é porque uma imperiosa necessidade me incita a isto. É preciso, de todo modo, que o homem ao qual os senhores confiaram a educação de seus filhos lhes diga o que pensa da juventude da França que cresce. Sua responsabilidade moral, como a minha, está empenhada e é preciso que aos senhores seja apresentada a realidade. O quadro que apresento é uma visão geral cujos elementos não foram tomados apenas do que pude constatar na Escola. Do que tenho a lhes dizer, cada um aproveitará o que quiser ou puder.
O que me espanta mais, é o quanto esta juventude é pouco viril. E por que é assim? Porque, simplesmente, os senhores jamais exigiram nada dela. Os senhores apenas se preocuparam de que fossem felizes e realizaram todos os seus desejos; desde a primeira infância, os satisfizeram de todos os modos possíveis; como poderão querer que tenham a ideia de que, por um lado, a vida é difícil, que as coisas difíceis são as únicas que interessam e que, por outro lado, todas as alegrias se compram e mesmo que custam tanto mais caro quanto mais elevadas são? Tudo sempre lhes foi dado e eles julgam normal que tudo lhes seja dado, estimam mesmo que é seu direito; e como a cultura e a ciência não se comunicam por si mesmas, veem nisso uma espécie de injustiça. Eles não estão longe de se considerarem vítimas, posto que o Latim e as matemáticas não entregam tão facilmente os seus segredos.
Isto é assim porque, na educação que os senhores lhes deram, eles sempre receberam tudo de graça. Os senhores foram vítimas da demagogia universal e do moderno liberalismo, que considera a autoridade um vestígio de tempos bárbaros. Os senhores repudiaram a autoridade; quiseram agradar seus filhos para serem amados: mas não serão mais amados do que nossos pais o foram e serão, talvez, menos estimados por seus próprios filhos quando estes tiverem idade para julgar. Pois não lhes ensinaram que tudo tem um preço e que as coisas de valor custam caro. Jamais tiveram necessidade de merecer os prazeres que lhes foram dados; jamais aprenderam a fazer coisas contrárias às suas vontades. Ora, não é coisa agradável, em si mesma, por exemplo, estudar as declinações do latim ou do alemão.
Quando eu era pequeno, aprendi a fazer sem discutir o que me era ordenado; prestaram-me, assim, um imenso serviço. Mas, seus filhos, como discutem tudo! Não param nunca de discutir! Nada parece agradável para eles. Julgam tudo à medida de seu prazer imediato. Não se surpreendam que não tenham nem obediência, nem disciplina, nem respeito, nem senso de dever. E mais: os senhores os cumularam a tal ponto, que não querem mais nada, e eu jamais vi coisa mais desoladora do que jovens sem vontade. A ausência de vontade é um estanho bem-estar.
Julgam que sou pessimista? Mas os professores que conheço me dizem precisamente o mesmo. Aliás, nas conversas que tive com os senhores, todos mostraram estar de acordo com o que disse, apenas esqueceram de aplicá-lo nas próprias casas. Os senhores não se dão conta de que se preocupam imensamente com tudo que diga respeito à saúde, alimentação, conforto, férias ― e também com os estudos, pois, no final, há o sacro-santo vestibular ― mas, e quanto à alma dos seus filhos, ela os preocupa? Enquanto aguardo que o respondam perante Deus, pergunto: Que homens os senhores darão à França?
Os senhores sabem, contudo, que a vida não é fácil. Seus encargos profissionais são cada vez mais pesados. Os senhores estão insensíveis para o quanto a França diminuiu-se politicamente no mundo, o quanto ela decepciona seus amigos estrangeiros por não trabalhar o bastante, por não saber governar sua casa, por ter perdido suas forças em discussões estéreis. Acreditam que uma geração sem alma livrará a França de seu mal? Pois estamos prestes a fabricar a geração mais medíocre que a França jamais conheceu, pois nossos filhos não sabem mais impor a si mesmos tarefas desagradáveis. Aliás, eles encontraram um maneira fácil de escapar delas, que é a dos fracos: eles mentem. Mentem aos senhores, e os senhores não se dão conta. Quanto a mim, gasto um tempo precioso para descobrir suas mentiras. Jamais tive tanta dificuldade para estabelecer, em meu internato, uma atmosfera de lealdade. Não seria assim se os senhores tivesse comunicado o sentimento de que a regra nos ultrapassa e que a devemos respeitar. Mas, como os srs. são franceses — os franceses são anárquicos ― os srs. dão a eles, involuntariamente, o sentimento de que podemos burlar a regra. Para as saídas de domingo, fixei que se deveria voltar às 17 horas — pois a esta hora há, seja um estudo, seja um ofício na capela: mas cada domingo há alunos atrasados. Estabeleci como regra absoluta que os alunos não devem levar dinheiro com eles, mas os srs. lhes dão por trás de minhas costas, o que os instala na mentira e produz consequências por vezes muito graves.
Após nos ter confiado seus filhos, os Srs. pararam de se preocupar com sua educação. Mas os senhores nos repassam a responsabilidade de fazer o que os Srs. mesmos não têm a coragem de fazer. Os Srs. abdicaram. Sei bem que, dada a atmosfera moral do mundo moderno, a tarefa dos pais, se a quiserem cumprir escrupulosamente, é uma tarefa quase heroica. Pois bem, é preciso tomá-la como tal, e não fugir dela. Ninguém os substituirá e, apesar de tudo, os senhores responderão por ela. Os Srs. sabem o que se passa nas casas de educação, mesmo religiosas? Os educadores estão completamente impotentes: ocupam-se dos melhores e deixam a grande massa dos medíocres com sua mediocridade.
Somos aqui uns poucos que se põem a fazer uma tarefa que, hoje, ninguém mais quer fazer e que ninguém quer ajudar, sob nenhum ponto de vista. Portanto, não nos dê o desgosto de achar que, aquilo que arduamente fazemos de um lado, é frequentemente desfeito por outro. Jamais foi tão difícil retomar o trabalho como este ano, após as férias, pois estas foram demasiado doces, prazerosas, confortáveis. E sobretudo, quando os Srs. vierem aqui, abandonem a ideia de que estes pobres meninos devem ser, a todo preço, confortados do mal de serem internos com quilos de bombons, gordos desjejuns ou sei lá o que. Tento tratá-los como homens, e peço que acreditem: não é fácil. Ser homem não consiste em discutir e colocar tudo perpetuamente em discussão. Consiste em assumir responsabilidades corajosas e generosas em uma ordem que nos ultrapassa. Façam, pois, como eu. Acham que é heroico? Sejam, pois, heróis. Não há outra coisa a fazer. 

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Fonte: Publicado na revista on line Permanência: www.permanencia.org.br

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O ANTI-CRISTO


PADRE LEONARDO CASTELLANI
(16 de novembro de 1899 – 15 de março de 1981)
 

"... porque o Homem do Pecado tolerará e se aproveitará de um cristianismo adulterado...Imporá por todas as partes o reino da iniqüidade e da mentira, o governo puramente exterior e tirânico, a 'Liberdade' desenfreada dos prazeres e diversões, a exploração do homem; e seu modo de proceder hipócrita e sem misericórdia. Haverá em seu Reino uma estrondosa alegria falsa e exterior, cobrindo o mais profundo desespero. Em seu tempo acontecerão os mais estranhos distúrbios cósmicos, como se os elementos se houvessem revoltado. A humanidade estará numa grande expectativa e reinará grande confusão e dissipação entre os homens. Rompidos os laços de família, de amizade, de lealdade e bom relacionamento, os homens não poderão confiar em ninguém, e correrá no mundo como um tremor frio, um universal e ímpio "salve-se quem puder". Será atropelado o que há de mais sagrado e nenhuma palavra terá mais fé, nem pacto algum terá vigor, senão pela força. A caridade heroica de alguns fiéis, transformada em amizade até a morte, manterá no mundo ilhotas de fé; porém mesmo ali, ela estará continuamente ameaçada pela traição e pela espionagem. Ser virtuoso será um castigo em si mesmo e como uma espécie de suicídio".
 
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Fonte: Los Papeles de Benjamin Benavides, Buenos Aires: 1953, Caderno 4, cap. 2.
 

AS MARCAS DA VINDA DO ANTI-CRISTO

SÃO BOAVENTURA
(1218-1274)

 

“Estas são as marcas da vinda do Anti-Cristo:
 Quando os velhos não tiverem nem bom senso nem prudência,
 Quando os cristãos estiverem sem fé,
 Quando o povo estiver sem amor,
 Quando os ricos forem sem misericórdia.
 Quando os jovens não tiverem respeito,
 Quando os pobres forem sem humildade,
 Quando as mulheres tiverem perdido o pudor,
 Quando, no casamento, não houver mais continência,
 Quando os clérigos forem sem honra e sem santidade,
 Quando os religiosos não tiverem verdade nem austeridade,
 Quando os bispos não se inquietarem de sua administração e não tiverem piedade,
 Quando os mestres da terra não tiverem misericórdia nem liberdade”.

O QUE É O LIBERALISMO CATÓLICO?

MONSENHOR LOUIS-GASTÓN DE SÉGUR
(1820-1881)

A doutrina católico-liberal, que em sua quintessência é a doutrina revolucionaria de 1789, estabelece como princípio e como coisa senão excelente, quando menos muito boa, a separação da Igreja e do Estado, a qual consiste na independência absoluta da sociedade civil que não reconhece a lei divina, a religião revelada e a santa Igreja. Jesus Cristo nos deu o Papa e os Bispos com esta missão: “Ide e ensinai a todos os povos a observância de minhas leis. Eu estarei convosco até a consumação dos séculos”. Os católico-liberais restringem esta missão aos interesses privados de cada cristão em particular; negam ao Soberano Pontífice e aos Bispos o direito de ensinar aos governantes assim como aos súditos, e o de velar para que Jesus Cristo Reine, sem obstáculos, nas instituições públicas e nas leis, dando desta maneira a conveniente direção às sociedades.
Por fim a doutrina católico-liberal desconhece e altera profundamente as relações entre a autoridade e a liberdade, tais como Deus as estabeleceu e conforme a sua Igreja está encarregada de ensinar-nos e de proteger. Altera profundamente a doutrina católica sobre a autoridade em proveito da liberdade, e esta é a razão porque se chama liberal.
Segundo a Igreja a autoridade é o poder ativo estabelecido por Deus para fazer respeitar e executar a lei: segundo o catolicismo liberal, a autoridade é o poder passivo encarregado de amparar com igual proteção a fé e a heresia, a verdade e o erro, o bem e o mal. Com tal que não seja perturbada a ordem material, não deve sair em defesa de Deus e contra o demônio.
Segundo a Igreja, a liberdade é o poder concedido a todos e a cada um em particular de cumprir sem obstáculos a vontade de Deus e seu próprio dever: segundo o catecismo liberal, a liberdade é faculdade concedida a todos e a cada um, de fazer o mal assim como se faz o bem com tal que não altere a ordem material.
Para Jesus Cristo e sua Igreja, a autoridade é o poder que protege o bem e o faz reinar: para o demônio e a Revolução, a autoridade é o poder que protege o mal e lhe faz reinar; para os católicos liberais, a autoridade é um poder indiferente ao bem e ao mal, a quem protege igualmente. De igual sorte para a Igreja a liberdade é o poder de fazer o bem sem trava alguma; para a Revolução é o poder de fazer o mal também sem travas, e para o catolicismo liberal é o poder de fazer o bem ou o mal indiferentemente.
Assim, pois, esta dupla noção de autoridade e da liberdade que tem a doutrina católica e o sistema liberal, se manifesta ostensivamente em suas respectivas obras influindo poderosamente na religião, na ordem social e política, na legislação, na jurisprudência, na educação e na família.
E é por isso mesmo que a doutrina católico-liberal se estende a tudo. Os erros que contém produzem grave dano e suas consequências práticas são incalculáveis. Desvirtua e falseia a noção essencial da autoridade e da liberdade, sobre cuja noção descansam como sobre sua base a ordem religiosa, a ordem civil e a doméstica por completo.
 Em seus princípios se encerra o germe de uma grande heresia; mas afortunadamente devemos esperar que a Santa Sede ou o Concílio ecumênico, não tardarão em lançar raios de um vigoroso anátema sobre um erro que despreza tantas advertências, e que tende nada menos que a servir de ajuda à Revolução em sua obra de destruição universal.
Assim é que a doutrina católico-liberal é uma alteração sistemática da verdade, da fé e do direito: é uma alteração também sistemática das relações da Igreja com a sociedade civil; e uma negação mais ou menos pronunciada do direito concedido por Deus à Igreja de dirigir espiritualmente aos governos e as sociedades e de inspirar as leis e as instituições publicas; é por fim uma alteração igualmente sistemática da doutrina da Igreja sobre a autoridade e a liberdade.
 
(...)   
 
O que é o liberalismo católico? O que é o catolicismo liberal? É um sentimento falso e perigoso; é um partido importante, ativo, empreendedor, que conspira de fato contra a Igreja e contra a sociedade civil e serve, sem querer, à horrível causa da Revolução; é uma doutrina falsa e muito perniciosa, geradora de heresias e revoluções. O catolicismo liberal é o catolicismo manchado de liberalismo com ideias protestantes e revolucionarias. O liberalismo católico é a heresia e a revolução que sob formas moderadas e com o manto de católico, se introduz no seio da Igreja (1) imitando o lobo da fábula, que com pele de ovelha penetrava livremente no redil. Deve, pois admirar-nos que o pastor [refere-se a Pio IX] levante o cajado para afugentar-lhe e sua voz para advertir o perigo?”
 

(1) Um ministro protestante de Genebra, o professor Bouvier, acaba de declarar explicitamente. Explicando ao seu auditório a razão pela qual o catolicismo liberal deve ser, como é, tão simpático ao protestantismo, disse estas textuais palavras: “Em nossa luta contra o catolicismo, o catolicismo liberal intervém armado ao mesmo tempo com o prestigio da antiguidade de suas doutrinas e com a novidade de seu espírito... O catolicismo liberal, em razão da atmosfera em que nasceu, pode por si só fazer a obra da reforma e de edificação vivificadora que empreendeu. A pureza do Evangelho não é recebida pelas massas católicas quando a entregam mãos protestantes, antes, ao contrário, esta só circunstancia basta para que seja repelida por suspeitosa. O catolicismo liberal tem a vantagem de encontrar melhor acolhida e de conseguir a curto ou longo prazo penetrar com segurança até o coração da praça que sitiamos. (La Iglesia libre, diario protestante de Niza , enero de 1874.)
Depois desta leitura, tereis animo para ser católico liberal? 

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Fonte: Ofrenda á los jóvenes católico-liberales. Barcelona: 1975, pp. 75-82.
Tradução: Fernando Rodrigues Batista

AUTOBIOGRAFIA DO FILHINHO QUE NÃO NASCEU

Oferecemos aos amigos a primeira parte da tradução do belo livro do célebre novelista argentino Hugo WAST (1883-1962), “Autobiografía del hijito que no nasció” (Bs. As.: Theoria, 1961), que narra o empolgante diálogo entre um pequenino ser no ventre materno e o seu Anjo da guarda. Trata-se de um brado contra o horrendo crime do aborto, pecado de malícia peculiar, como a sodomia, que clama aos céus por vingança.
 

I – O que meu Anjo conta 

Já faz alguns instantes que sou um ser humano. Meu corpo ainda é tão pequeno que não pode ser visto pelos olhos de ninguém, mas minha alma já é tão grande como sempre será. Deus a criou para mim, no mesmo momento em que eu comecei a existir. Deus me ama como se eu fosse uma pessoa perfeita. Deus segue criando inumeráveis almas todos os dias, para todos os seres, filhos dos homens, que são chamados à vida. Meu Anjo me disse que nascerão tantos seres quanto necessários para repovoar o céu, despovoado em um terço de seus habitantes pelo Diabo.
Estas coisas profundas para uma pessoa tão pequena como eu foram as primeiras que meu Anjo da guarda ensinou. Devo explicar que tenho um Anjo da guarda escolhido entre os inumeráveis Anjos que permaneceram fiéis ao serviço de Deus.
Melhor ainda! Meu Anjo da guarda ensinou que Deus me ama desde toda a eternidade, como se não houvesse existido outro ser senão eu. E que por mim realizou infinitas maravilhas. E assim o fez para todos os seres humanos e seu Filho morreu por cada um deles, como se fossem únicos no mundo, para salvá-los da guerra que o Diabo faz aos homens.
Eu apenas entendo tudo isso, mas ele sempre me repete e trato de reter tudo. Sem embargo, confesso que fico cansado. Queria dormir.
Meu Anjo me fala sem ruído e sem palavras. É como um fluído que me penetra. Compreendo perfeitamente. Meus ouvidos, todavia não estão formados.
Ele me disse que eu sou um menininho. Ou uma menininha. Ele não sabe ou não quer me dizer. Entendo que ele sabe muitas coisas, mas que não convém me contar tudo. Ele guarda de mim uma infinidade de segredos para quando eu for maior.
Disse que se me falar demais, meu pequeno corpo vai se cansar. E é verdade, volto a sentir vontade de dormir um pouco mais.
Será minha primeira noite no seio de minha mamãe, que ainda ignora que eu existo.
Meu Anjo me disse que é melhor que ela siga ignorando.
Por que não é bom que uma mãe saiba que seu filhinho ou sua filhinha já existe?
Estou cansado. Será o primeiro sono da minha vida no suave e tíbio seio de minha mamãe. Que escuridão, meu Deus! É porque meus olhos ainda não se formaram? 

II – Meu corpo vai crescendo. 

Meus ouvidos recolhem alguns rumores de fora.
Quem é meu anjo? Como se chama?
A cada novo dia, meu Anjo me desperta com uma oração. Eu ainda não posso aprendê-la porque não tenho memória. No entanto parece-me que meu corpo já não é tão pequeninho e que chego a perceber alguns rumores que vem de muito longe.
Tudo o que está fora deste rincãozinho tíbio e suave aonde vou me criando é longe para mim.
O Anjo disse que um dia tudo isso me parecerá próximo e que então ele mesmo, que agora me cuida e me ensina, terá que distanciar-se de mim.
Isto me encheu de preocupações, o que significa que meu cérebro já começa a se formar.
Não me atrevo a perguntar ao meu Anjo como ele poderá estar longe de mim algum dia, se Deus lhe mandou ser sempre meu guardião companheiro, e como algum dia eu deixarei de estar onde estou agora, porque haverei me desenvolvido completamente.
Não sei como expressar estas coisas raras que me ocorrem e que fariam sorrir aos homens, se pudessem escutá-las; mas nem eles, nem sequer meu Anjo, as escutam, como se apenas eu mesmo me entendesse. A língua em que eu falo deve ser a língua dos Anjos que se aprende em um momento. Falando, sinto que sou uma pessoa. Ou seja, alguém que tem uma alma distinta das outras almas, uma alma que agora conversa com o Anjo e que depois conversará com os homens, conversará com minha mamãe, com meu papai e com meus irmãozinhos.
Meu Anjo me contou, e isto me deixou muito feliz, que eu tenho dois irmãozinhos, que muito tempo atrás viveram como eu, formando-se como eu estou me formando, de pouco a pouco, e agora são duas preciosas criaturas: ele tem seis anos e ela cinco. Disse-me também que eu poderia ter muito mais irmãozinhos, mas que todos morreram antes de nascer. Meu Anjo disse que meu papai odeia seus filhinhos pequenos.
Não compreendi o que isto significa, mas prestei atenção aos rumores de fora e percebi uma voz que me parece ser de minha irmãzinha. É o mais maravilhoso que eu senti em minha vida.
Contei isto ao meu Anjo e ele me disse que devo ter sonhado, pois meus ouvidos ainda não são aptos para escutar as coisas do mundo. Ouvira a ela, talvez, como posso ouvir aos anjos?
Tive outro sonho e não quis contar a ele, porque me parece que o ofenderia. É certo que eu não saiba meu próprio nome porque não me chamarei de nome algum até que eu seja ou um menininho ou uma menininha e me batizem, como ele me explicou. Mas o meu Anjo seguramente tem um nome, distinto do dos outros anjos. Por que não me contou? Eu apenas sei que o Anjo da guarda de minha mamãe chama-se Absalón, mas seu próprio nome ele tem me ocultado. Me ensina muito!
Disse-me que ainda que eu seja pequeníssimo e ele seja um Anjo poderosíssimo que todos os dias vê a Deus e a Santíssima Virgem face a face, ele não pode penetrar minha alma, aonde somente Deus penetra. Cada alma humana é como uma fortaleza fechada não só aos Anjos, senão também para os demônios, que não podem entrar nela se o dono dessa alma não lhe abre uma porta, ou uma janelinha, uma frestinha ao menos, para poder começar a seduzi-la com maus pensamentos.
Coisas muito difíceis de entender, mas que não esqueço quando meu Anjo me diz três vezes.
Mas por que digo meu Anjo, se não conheço o seu nome e estou começando a pensar que este Anjo não é o meu e que eu estou como que abandonado no mundo?
Estou morrendo de sono e vou dormir sem cumprimentá-lo. Não acredito que me pertença. Devo confiar meus segredos a quem possa contá-los a outra pessoa, ainda que essa pessoa seja minha mãe? 

III – Duvido que meu Anjo seja meu.

Já posso me mover um pouquinho.
Não esqueci nenhuma das inumeráveis lições que vem me dando o meu Anjo, melhor dizendo, este anjo. Ele afirma que sou muito inteligente, um pouquinho orgulhoso e reservado, pois não lhe conto todas as coisas que penso.
É verdade. Como vou contar que cada vez mais aumenta a minha suspeita de que ele não é meu Anjo da guarda, mas sim um intruso, e que devo tomar muito cuidado ao me comunicar com ele?
Escuto-o e aprendo. A melhor lição que me deu é a de que Deus me ama desde antes que eu existisse com um amor imenso e que a Santíssima Virgem é Mãe de Deus e também minha mãe, outra mãe que me quer mais que a que agora me leva em seu seio.
E a pior lição, que me fez estremecer de medo, é que meu papai odeia seus filhinhos não nascidos e preferiria que morressem ou que não nascessem nunca.
– Então odeia a mim? – Perguntei.
– Seu papai ignora que você existe. És tão pequeninho ainda. Ai de ti se ele soubesse! – Contestou-me o Anjo.
– E quando eu ficar maior e ele souber que eu existo, me odiará?
– Não sei; nós anjos não somos profetas. Muito temo que quando saiba que existes, ocorram coisas tremendas.
– Meu papai também tem Anjo da guarda?
– Sim, como todos os seres humanos, como a Santíssima Virgem, que teve um grande Arcanjo.
– Como se chamava esse grande Arcanjo?
– Gabriel, e foi ele quem anunciou que ela seria a mamãe do Filho de Deus, que chamamos Jesus e que é teu irmão e também irmão de todos os seres humanos que nasceram e que hão de nascer, como você.
Ao saber que eu sou nada menos que irmão de Jesus e que a Santíssima Virgem é também minha Mãe, me sinto orgulhoso e me atrevo a interrogá-lo sobre aquilo que me desperta tanta curiosidade:
– O Anjo de minha outra mamãe, a mamãe da terra, se chama Absalón. E como se chama o meu Anjo?
Então ele me responde:
– Não quero te dizer, mas você se empenha em saber tudo. Eu sou Absalón, o Anjo da guarda de sua mamãe.
– E o meu Anjo da guarda como se chama? Onde está?
– Você ainda não tem um Anjo só para ti. O de tua mamãe que sou eu cuida dela e cuida de ti. Depois, quando você vier à luz do mundo, Deus mandará um Anjo que será teu enquanto você viver e te levará ao céu quando você morrer.
– O dia em que eu vier à luz do mundo! Exclamo com desilusão. – E quando vai ser isso?
– Você é muito curioso! – Responde-me o Anjo de minha mãe.
Estou certo de que se fosse o meu próprio Anjo da guarda não acharia ruim que eu lhe perguntasse tantas coisas, porque me ensinar é seu ofício e não deve se cansar nem se negar a me responder.
Fico humilhado e triste e durmo cansadíssimo. 



... continuará.

O QUARTO MANDAMENTO

GUSTAVO CORÇÃO
(17 de dezembro de 1896 – 6 de julho de 1978) 

Uma desordem total invadiu o nosso século. Em proporções gigantescas e com indomável força ela, dia a dia, conquista os núcleos básicos da comunidade humana.
A característica principal da forma moderna da desordem é a inversão dos valores do convívio humano, que começa cortando os laços que ligam os diversos escalões da hierarquia social e termina no desentendimento total dos homens.
Na família, os filhos estão surdos para o timbre da voz paterna. Os pais estupefatos temem os filhos. Temem principalmente perdê-los. Com cabisbaixa fraqueza cedem às suas imposições, para não perderem aqueles que de há muito perderam. Congrega-os o lar apenas por laços de um certo instinto gregário e os interesses monetários dos filhos. Mas o filho já é um estranho na casa.
Na escola, a professora condicionada por uma pedagogia que nega a tendência da criança para o mal (tendência que é um claro indício do pecado original) e o valor educativo das punições, docilmente cede a todos os caprichos infantis.
Nos ginásios, os adolescentes agrupados na promiscuidade da co-educação, iniciam-se nas “viagens do fumo” e dos tóxicos, preparam-se para o amor nas “inocentes” práticas sexuais, sob os olhares estimulantes e compreensivos dos orientadores educacionais.
Nas universidades, os representantes do mais tolo mito do século, o mito do JOVEM, elaboram os programas, impõem e depõem os mestres e dirigentes, sob o pastoral treinamento, nas universidades católicas, de sacerdotes mais imaturos que eles e que os orientam conforme a moral permissiva e a linha subversiva.
As nações, na desarvorada corrida para a tirânica democratização, já atingiram, ou estão prestes a atingir, o mais que perfeito regime da desordem institucionalizada de um Chile, de um Argentina ou dos ensaios brasileiros pré-64.
Entre os católicos o vírus do desconcerto infiltrou-se em proporções alarmantes. Os detentores do poder sagrado, por pusilanimidade, por irresponsabilidade, por comodidade, por estupidez, ou, o que é mais provável, por tudo isso junto, entregaram de mãos beijadas o governo às conferências episcopais, às comissões de peritos, que funcionam como imensas máquinas manipuladas pelos técnicos da pastoral. Um poder invisível, onipresente e onipotente, age como um rolo compressor, esmagando o doce e paterno cuidado dos pastores. Estes, submissos e silenciosos, no clima asfixiantes dos diálogos, assinam tudo o que os secretários das linhas pastorais 1, 2, 3, etc. lhes enviam para que livremente não deixem de aprovar. O resultado do funcionamento dessa burocracia eclesiástica é, além das estatísticas e das verbas astronômicas dispendidas, a orientação para uma vida cristã onde em moral vale tudo e, em doutrina, nada vale a verdade transmitida há dois mil anos.
O princípio norteador da Grande Revolução é a quebra da ordem pela destruição da hierarquia, da imagem do pai, do sacerdote e do príncipe.
A subordinação livre e consciente do homem ao homem na família, na cidade e na religião, força propulsora da ordem e da paz, é uma continuação da subordinação ao Criador, ao Pai Eterno. Se tudo no Universo a Deus se subordina e a Ele se relaciona como ao Criador, desde as suas origens a criatura humana a Deus se liga como ao Pai. Porque Deus concedeu ao homem algo do seu próprio ser, da sua própria vida: a inteligência, pela qual penetra no mistério da essência das coisas; a graça, num plano mais alto, que permite ao homem pela fé, nesta vida, e pela visão, na outra, perscrutar as profundezas de Deus.
Deus é Pai porque gerando o homem pelo sêmen da graça fá-lo ser de um modo ainda mais pleno a sua imagem e semelhança. O nome que mais convém a Deus, enquanto fonte dessa vida divina em nós, é o de Pai. Pai que está sempre a nos lembrar as nossas humildes origens do nada e as nossas grandiosas origens no amor e na misericórdia divina; a nossa dependência, a nossa fraqueza.
Em piedoso reconhecimento dessa paternidade divina, que nos tirou do nada para o ser, de criatura, para filhos de Deus, na qual se encontra o sentido último de toda autoridade humana, exclama S. Paulo: “Eu dobro os meus joelhos diante do Pai, do qual toda paternidade no céu e na terra tira o seu nome”. (Ef., 3, 14).
A Grande Desordem que contemplamos, consequência natural da Grande Revolução que o “inimigo do homem” declarou contra o Filho do Homem nos tempos modernos, tem por força motriz a desobediência. Mas desobediência qualificada por um novo aspecto, pois quem promove agora a subversão é a própria autoridade, como que pressionada por um inevitável impulso suicida.
Os pais pelas atitudes de fraqueza, educam os filhos para a desobediência. Os governos tolerantes de um Frei, no Chile, de militares fracos, na Argentina, levaram essas duas nações à desordem total. Pela tática renúncia dos governantes ao poder, muitas outras nações caíram nas mãos da desordem organizada dos regimes marxistas. Quem entre os católicos fala oficialmente pregando a revolta do filho ao pai, do povo ao governo, não são os fiéis, são os próprios membros do corpo docente consagrados para ensinarem aos homens a piedade, a paciência, a submissão e a paz.
O processo revolucionário dirigido pelo “pai da mentira” contra o Pai Eterno só poderá ser detido pela contra revolução dos filhos de Deus que contemplam no superior a imagem do Pai. A mais terrível arma do “filho das trevas” contra o Pai das Luzes é ter conseguido arrancar dos corações o sentimento de piedade, de respeito e de amor aos pais. As palavras de S. Paulo dirigidas para a comunidade familiar, onde a ordem social encontra a sua fonte, poderão, com as devidas transposições, ser aplicadas a todas as esferas da sociedade dos homens. “Filhos, obedecei os vossos pais no Senhor, porque isso é justo. Pais, não exaspereis vossos filhos, mas educai-os na disciplina e na correção conforme o Senhor”. (Ef., 6. 1;4).

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Fonte: Editorial da Revista Permanência, no. 57, Julho de 1973

CAUSAS PERMANENTES DO LIBERALISMO NA SOCIEDADE ATUAL

R. P. FÉLIX SARDÁ Y SALVANY
(21 de maio de 1841 – 02 de janeiro de 1916) 

Além destes caminhos por onde se chega ao liberalismo, há o que poderíamos chamar causas permanentes dele na sociedade atual; e nestas havendo de procurar os motivos por que se torna tão difícil a sua extirpação.
São em primeiro lugar causas permanentes do Liberalismo as mesmas que indicamos como caminhos ou resvaladios que conduzem a ele. Diz a filosofia: per quoe res gignitur, per eadem et servatur et augetur: “As coisas comumente se conservam e aumentam pelas mesmas causas por que nasceram”. Porém, além daquelas podemos indicar algumas outras que oferecem caráter especial.

1. – Pela corrupção dos costumes. A maçonaria o decretou, e cumpre-se à letra o seu programa infernal. Espetáculos, livros, quadros, costumes públicos e privados, tudo se procura saturar de obscenidade e lascívia; o resultado é inevitável: de uma geração imunda sairá por necessidade uma geração revolucionária. Assim se nota o empenho que tem o Liberalismo em dar rédea solta a todo o excesso de imoralidade. Ele sabe bem quanto esta o serve. É seu natural apostolo e propagandista.

2 – O jornalismo. É incalculável a influencia que exercem sem cessar tantas publicações periódicas que o Liberalismo espalha cada dia por toda a parte. Elas fazem (parece mentira!) com que o cidadão, quer queira quer não, tenha de viver hoje dentro de uma atmosfera liberal. O comercio, as artes, a literatura, a ciência, a política, as noticias nacionais e estrangeiras, tudo gira quase por vias liberais; tudo conseguintemente toma por necessidade a cor ou feição liberal. E encontra-se quem, sema adverti-lo, pensa, fala e obra à liberal; tal é a maléfica influência deste envenenado ambiente que se respira. O pobre povo respira-o com mais facilidade do que ninguém, por sua natural boa fé. Recebe-o em prosa, em verso, em gravuras e caricaturas, na praça, na oficina, no campo, em toda a parte. Este magistério liberal se apoderou dele e não o larga um instante.
 
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Fonte: O liberalismo é pecado. São Paulo: Editora Panorama, 1949, p. 127-128.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

OS PROGRESSISTAS NÃO SÃO HOMENS DE FÉ


 
 
O progressista está sempre à procura porque não acredita em nada.
Mas essa pesquisa permanente destrói a verdadeira fé, sobretudo se emana de padres e bispos.
Aí está a armadilha. Existirá uma atitude mais desconcertante para um fiel do que ver posto em dúvida aquilo que constituía a própria base da fé? Se a Igreja se enganou durante quase dois mil anos, onde estará a verdade desde o último Concílio?
Dessa maneira, insinua-se a dúvida nas almas e acaba-se por destruir a fé. O progressista é um assassino no sentido mais completo do termo.
Os progressistas não são homens de fé porque não são homens de verdade. Estas palavras de São Paulo lhes dizem respeito diretamente: “Porque eles não abriram seus corações à verdade que os salva é que Deus lhes envia ilusões profundas que os fazem acreditar na mentira.”
O verdadeiro Amor (Deus é a Verdade) condiciona a verdadeira fé e dá a vida (porque Deus se disse também a Vida).
O progressismo é uma doutrina de morte. Os progressistas são liberais porque não acreditam na verdade, e não acreditam porque não a amam.
O Amor, a Fé, a Vida, tudo se encadeia e se mantém.  
 
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Fonte: HENRI LE CARON. Artigo publicado no Courrier de Rome nº169, tradução de Maria Tereza Ferreira da Costa e Anna Luiza Fleichman, e publicado na Revista Permanência, ano XII, nº 124/125, 1979.  

VIDA CONJUGAL E SACRIFÍCIO



Trazemos novamente aos leitores os preciosos ensinamentos de GUSTAVE THIBON, o autodidata genial de Saint-Marcel-d'Ardèche. O presente trecho de seu conhecido livro "O que Deus uniu" é necessário para compreensão do sentido sacrificial – sagrado, sacro – do matrimônio. Sentido sacral que a todo custo quer ver fulminado o veneno liberal como vimos no artigo anterior de José Pedro Galvão de Sousa. E foi justamente com este intento funesto, o de golpear fatalmente os resquícios da família natural, que “novamente” foi apresentado ao Senado o denominado “Estatuto das Famílias”, instrumento perverso elaborado pelo mais que revolucionário IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Estiolada a família é a pátria mesmo que sucumbe. Defendamos a família natural sem capitular em nada.
 

Se há tarefa tragicamente urgente para o moralista moderno é a de lembrar aos homens a noção do sacrifício. Todos os desastres, todas as misérias do casamento, procedem do esquecimento desta necessidade. Não concebo um casamento feliz sem sacrifício mútuo. Não há nisto nenhum paradoxo. A primeira condição da felicidade é não a procurar. Nesta ordem de ideias é lícito dizer, pondo ao contrário as palavras evangélicas: Não procurei e encontrareis.
Um homem nobre esforçar-se-á por viver como um homem; um homem vil procurará viver feliz. O último procurará na terra as coisas e os seres que o poderão satisfazer; o primeiro procurará os seres e as coisas a quem se possa imolar. Não «arranjamos» uma esposa, damo-nos a ela. Casar é talvez o modo mais direto e mais exclusivo de deixar de pertencer-se. Chesterton, lendo um jornal americano onde dizia: «Todo o homem que se casa se deve convencer de que renuncia a cinquenta por cento da sua independência», fazia notar: «Só no Novo Mundo é possível um otimismo deste gênero!».
O segredo da felicidade conjugal está em amar esta dependência. O ser que vive ao nosso lado, devemos amá-lo menos na medida do que nos dá que na medida do que nos custa.
A vocação do casamento consagra-nos ao nosso cônjuge. Estas palavras têm um grande alcance. Dão sentido a todos os nossos deveres e a todas as dores da vida comum. Fazem sobretudo da felicidade conjugal, não há uma espécie de sacrifício estéril, mas um ato religioso do mais alto valor humano.
Já não sabemos ser fiéis porque não sabemos sacrificar-nos. Tantos homens há que só amam pelo prazer imediato... Condenam-se, deste modo, a conhecer apenas a superfície do objeto amado, e, quando esta superfície os desilude, a trocá-lo por uma outra superfície, e assim por diante.
Andar à volta de tudo e não chegar ao centro de nada, não será o que alguns denominam plenitude e liberdade? É de tal maneira mais fácil correr do que aprofundar! Mas aquele que quer saborear a profundidade de uma criatura deve saber sacrificar-se por essa criatura; o seu amor deve superar as decepções, superar o hábito; mais ainda, deve alimentar-se dessas decepções e desse hábito. O amor humano tem a sua aridez e as suas noites; também ele não encontra o seu centro definitivo senão para além da prova sofrida e vencida. Mas, uma vez chegado a esse ponto, ele saboreará a riqueza, a pureza eterna da criatura pela qual se imolou. Porque, se a criatura é tremendamente limitada em superfície, é infinita em profundidade. É profunda até Deus. Sempre cantaram os poetas esta captação amorosa do eterno através do ser efêmero:

Tu que passas, tu que desvaneces,
busquei-te para além dos dias e das sombras,
sobre as praias invariáveis da vontade eterna...
Desci às tuas entranhas,
mais além dos latidos do teu coração,
mais adentro que a fonte das tuas promessas
até ao centro solene onde a tua vida se une à Vida,
até ao fremir irrevogável,
até à palpitação criadora de Deus!
― Eu amo a tua alma!

Chegou a falar-se do que a vida conjugal tem de banal, de monótono, de terra à terra. Bem sabemos quanto o homem é capaz de banalizar e de prostituir as coisas mais profundas. Mas, se a vida conjugal é muitas vezes vulgar, que se poderia dizer da vida sexual extra-conjugal? Creio que uma das mais sutis malícias do demônio é tentar persuadir os homens de que a ordem é a morte e a desordem a vida. Na realidade, nada mais vulgar do que o vício. O demônio não é profundo ― não é mais do que um revoltado. É um desertor que tenta fazer-se passar por evadido...
As humildes realidades da vida quotidiana, o cortejo de pequenos deveres e de pequenos sofrimentos, em nada deverão alterar a pureza do amor nupcial. O verdadeiro ideal tira nova seiva destas pequenas coisas. O realismo da vida conjugal não tem por função profanar ou estiolar o ideal primitivo dos esposos, mas purgar este ideal das ilusões que com ele se misturam, e não reter dele mais do que a sua suprema essência. Na alma dos esposos que são dignos desse nome, a união do mais elevado amor e das necessidades mais terrenas, mais materiais, cria uma espécie de síntese do ideal e do real, uma espécie de realismo do ideal, se assim me posso exprimir, que em parte alguma poderá existir em tal grau.
Josefina Soulary disse que Deus «se só estivesse lá em cima, não estaria em parte alguma».
O casamento é, por excelência, a vocação que permite pôr Deus no que a vida tem aparentemente de mais comum e de mais banal.
Ia-me esquecer de uma observação importante. O casamento deve ser um sacrifício, é certo. Mas um sacrifício recíproco. Haverá algo de mais vão, de mais prejudicial mesmo, do que uma imolação em sentido único? Dois egoísmos juntos travam-se mutuamente e, de certo modo, neutralizam-se. Que caldo de cultura não seria para as tendências egoístas de uma criatura o sentir em torno de se uma atmosfera de dedicação infatigável! Todos conhecemos lares em que o espírito de sacrifício de um dos esposos faz do outro um monstro de exigência e de egoísmo. Cada esposo deve tirar do espetáculo de generosidade do seu cônjuge, não um pretexto para fazer as suas vontades, mas um motivo para se imolar mais a si mesmo.
 
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Fonte: Gustave Thibon. O Que Deus Uniu, Editorial Aster Ltda., Lisboa 1956.


A DESSACRALIZAÇÃO DO MATRIMÔNIO

 

JOSÉ PEDRO GALVÃO DE SOUSA (1912-1992), saudoso catedrático de Teoria Geral do Estado, tendo lecionado também História do Direito Nacional, não foi apenas o estudioso da filosofia política e da história, que nos deu entre outros livros, “Política e Teoria do Estado”, “Iniciação à Teoria do Estado”, “Introdução à História do Direito Político Brasileiro”, “Raízes históricas da Crise Política Brasileira” e “A Historicidade do Direito e a Elaboração Legislativa”, pois se debruçou sobre outros campos do conhecimento, nos trazendo nestas linhas que retiramos de um precioso artigo originalmente intitulado “O Divórcio e a Família do Futuro” publicado na infelizmente extinta revista Hora Presente (N. 9, Maio de 1971), lições mais do que nunca atuais.

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Sacrifício: de sacrum facere. Os sofrimentos em comum, na vida matrimonial, têm o sentido de uma oblação. O matrimônio realiza-se na sua plenitude e torna-se fonte de verdadeira felicidade quando os sacrifícios que exige são oferecidos a Deus, na comum convicção dos cônjuges de que ao homem não cabe separar o que Deus uniu.
Esse sentido mais profundo do casamento encontra-se nos povos primitivos e foi expresso na limpidez dos conceitos do direito romano: nuptiae sunt coniunctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio (Modestino, D. 23. 2. 1).
Foi preciso chegar ao neopaganismo contemporâneo – muito mais perverso do que o paganismo dos antigos gentios, porque este era o de uma sociedade que viveu sem conhecer o Cristianismo nem a Revelação mosaica, mas assim mesmo tinha consciência do sagrado e respeitava a lei natural, ao passo que o neopaganismo de hoje procede uma rejeição da mensagem cristã – para que ao casamento e à família negassem os seus fundamentos religiosos.
Como nos lembra Jean Daujat, “o mundo moderno é o mundo que rejeitou as tradições religiosas sobre cujo fundamento a humanidade vivera até ai, e que se constituiu em revolta contra o Cristianismo e contra a civilização cristã que o precedera”. (DAUJAT, Jean. O Cristianismo e o homem contemporâneo, Porto: Livraria Tavares Martins, p. 22).
O divórcio, em nossos dias, é expressão do individualismo, ou seja, do “humanismo absoluto” do homem moderno, que se manifesta em duas etapas: o individualismo propriamente dito e o coletivismo, este, resultado e continuação daquele, sendo no fundo o individualismo levado ao extremo.
Frisa-lo o mesmo autor na obra citada (p. 21-22): “O humanismo absoluto do mundo moderno pode, aliás, tomar duas formas. Na primeira, que prevaleceu aos séculos XVIII e XIX, é o individualismo que reivindica uma independência e uma soberania absolutas: a sociedade, neste caso, unicamente pode ser um contrato livremente consentido só por ele, e onde ele faz a lei. É desta maneira que se terá uma sociedade arrastada pelas tendências e interesses contrários dos indivíduos e onde desaparece a noção de bem comum”. Daí a lei do divórcio, sobrepondo o bem particular dos cônjuges ao bem comum. Tal individualismo caracteriza a sociedade liberal fundada nos princípios da Revolução de 1789.
Daí para o coletivismo é um passo: “bem depressa o indivíduo sentirá a incapacidade de exercer a soberania, e deixa-se absorver na potência da coletividade. Bem depressa igualmente os mais apetrechados explorarão e dominarão os outros. E deste modo se passará do individualismo ao coletivismo: o humanismo absoluto toma então uma forma nova que originará os regimes totalitários e que prevalece hoje cada vez mais. A reivindicação de independência absoluta transita do homem individual ao homem coletivo: é a coletividade que se atribui uma independência e soberania absolutas e se considera livre de qualquer verdade e de qualquer lei superior que se lhe imponham. O indivíduo torna-se então um simples instrumento do poder coletivo”. É o que ocorre nas sociedades comunistas.
O humanismo absoluto do homem contemporâneo é uma consequência da secularização ou dessacralização das mentalidades e das instituições, que teve início no outono da Idade Média e no dealbar da Renascença pagã e do protestantismo. A dessacralização penetra hoje na própria Igreja, não sendo, pois, de admirar que até mesmo certos católicos – quando não sacerdotes! – venham a público defender o divórcio, postergando assim o caráter sagrado do matrimônio.