RAFAEL GAMBRA CIUDAD
(Madri, 21 de julho de
1920 - 13 de janeiro de 2004)
“Em nossos dias podemos ver sacerdotes
e guardiões do Templo santo se unir à turba dos incendiários da Cidade e
dedicar-se de forma desenfreada na demolição do patrimônio sagrado que eles
receberam como depósito, como função. E assim os vemos hoje se empenharem na ‘desmistificação’
da fé, na ‘dessacralização’ do culto e outras iniciativas contraditórias, ao
mesmo tempo em que definem a religião e a Igreja como ‘um serviço à Humanidade’.
A promoção de uma vaga fraternidade humana, da paz, do desenvolvimento
econômico, do bem-estar social e da igualdade são os objetivos explícitos de
uma religião apenas de nome e de modo vergonhoso. À imagem ideal do monge macilento
e ascético substituiu-se como paradigma a do clérigo ‘eficaz’ e ativo, com
grossa maleta embaixo do braço. Mas, se a primazia da ação encerra a Cidade
humana em um círculo sem saída em cujo centro sorri o Diabo do Fausto, quando
essa mesma primazia é aplicada ao Templo o efeito
é ainda maior: se o esvazia de sua substância mesma e realidade. O Templo
já não é lugar de contemplação senão de ruído e de subversão, simplesmente
porque já não é templo. Assim como a chamada sociedade de consumo e do
transporte fácil origina uma atmosfera irrespirável, assim a corrupção do
Templo torna impossível a oração pessoal, que é como a respiração da alma. A
ruína total e definitiva da antiga Roma se resumiu sempre ‘na entrada dos
bárbaros no Capitólio’, quer dizer, no templo supremo da Urbe. Nossa
civilização não perece por bárbaros e estrangeiros, senão que produz ou destila
de si mesma seus próprios bárbaros. Em nossos dias se tem produzido a invasão
destes bárbaros imanentes no Capitólio ou santuário de nossa Cidade, que é a
Igreja Católica. Por isso não se trata de uma destruição exterior, a sangue e
fogo, senão de uma autodemolição obstinada,
silenciosa”.
Fonte: Revista Verbo, “Sentido
cristiano de la accion”, ns. 119-120, 1973, pp. 961-962.