terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA DIGNIDADE HUMANA É FALSA


Miguel AYUSO TORRES
Catedrático de Ciência Política e Direito Constitucional na Universidade Pontifícia Comillas e presidente da União Internacional de Juristas Católicos.


Se levarmos em conta a explicação do grande jurista espanhol Alvaro D’Ors, a origem das distorções que se evidenciam no esquema dos direitos humanos está precisamente ai: reside em que sua fundamentação na chamada dignidade humana é falsa (14). Com a qual desenvolve no terreno jurídico o que Leopoldo Eulogio Palacios finamente havia denunciado como “O humanismo do bem congênito” (15). A pessoa humana – escreveu o grande pensador falecido – não é na ordem moral um valor absoluto, ao contrário do que ocorre no plano antológico. O que parece não ter sido levado em consideração pelos pensadores contemporâneos que depositam na dignidade da pessoa humana a base de seus programas jurídicos, sociais, políticos ou pedagógicos. 

Para D’Ors, por conseguinte, os “direitos humanos” pretendem se fundar na dignidade natural do homem, necessariamente igual para todos, mas a dignidade supõe – e fundamenta seu pensamento em um brilhante excurso lexicográfico e histórico – a conduta da pessoa e tão somente a esta se pode atribuir direitos. Os denominados “direitos humanos” são, na realidade, um arremedo de direito natural, mas, por isso mesmo, por serem meramente naturais, não podem se fundar na dignidade que é própria das pessoas, sujeitos de conduta responsável.

Finaliza assim sua exposição o professor D’Ors: “Somente a pessoa poder sujeito de direitos e deveres, não a natureza. Portanto, não se pode falar de direitos humanos universais, senão de direitos concretos de cada pessoa. O direito natural o que faz é criar uma ordem relativa à natureza humana que se apresenta como um conjunto de deveres para as pessoas; por isso os Mandamentos da Lei de Deus são formulados como deveres e não como direitos: deveres da pessoa em relação à natureza. O que a Declaração de Direitos do Homem pretende fazer é atribuir direitos à natureza como reflexo daqueles deveres, confundindo a natureza individual com a pessoa, e fundando aqueles pretensos direitos em uma inexiste dignidade natural”. (16)

Em qualquer caso – independente do que pensamos do que foi aludido —, tal referencia à dignidade humana apenas disfarça uma radical relativização. No fundo, e pelo imanentismo subjacente, só cabe uma concepção “estratégica” dos direitos humanos: pois ao se colocar o fundamento no consenso (17) - ou qualquer fórmula de identifico significado – referidos direitos ficam desvinculados da realidade e se convertem em meras criações do intelecto humano; passam, portanto, a ser “inventos” dos filósofos e ideólogos. Isto explica também sua unilateralidade, pois, não obstante a sua denominação de universais, se aplicam unilateralmente, em favor de uns e contra outros. Como explicou também D’Ors, os direitos humanos devem ser valorados juridicamente de modo “objetivo”, em cotejo com a proteção de todos os afetados por sua aplicação, que também são sujeitos humanos, e não como direitos “subjetivos” unilateralmente contemplados (18). Nesse último modo – que é, ademais, o habitual – se protege, para dar um exemplo bastante expressivo, aos terroristas em detrimento de suas vitimas inocentes e dos servidores da ordem e da paz social. Esta aplicação, a favor de uns e contra outros, sem confrontação com os direitos dos demais, e essencialmente antijurídica, é a que foi imposta desde 1789.

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(14) Cfr. Alvaro D'ORS: «La llamada dignidad humana», La Ley (Buenos Aires), núm. 148 (1980).
(15) Cfr. Leopoldo EULOGIO PALACIOS: «El humanismo del bien congênito », Revista de Estudios Políticos (Madrid), ntím. 1 1 0 (196Q), páginas 87-93. También en Filosofia del saber, Madrid, 1962, págs. 398-407. Um maior desenvolvimento pode encontrar-se em «La persona humana», capítulo XVIII del libro colectivo La filosofía en el BUP, Madrid, 1977. Para uma valoração do pensamento de Palacios, cfr. José Miguel GAMBRA: «El pensamiento político y religioso de Leopoldo Eulogio Pateaos», Philosopbica (Valparaíso), núm. 6 (1983), págs. 215-232.
(16) Alvaro D'ORS: op. cit.
(17) Cfr., entre una extensa bibliografia, Antonio FERNÁNDEZ-GALIANO: Derecho natural. Una introducción filosófica al Derecho, Madrid, 1977, págs. 161-169; Carlos Ignacio MASSINI: «Derechos humanos y consenso», Verbo (Madrid), núm. 257-258 (1987). Já não se trata de que sejam poucos autores que acreditam que hajam determinados direitos não derivados da lei positiva, senão que ainda menos o são os que lhes reconheçam um valor absoluto. Cfr. Antonio Carlos PEREIRA MENAUT: Lecciones de teoría constitucional, Madrid, 1987, cap. X, especialmente, aonde se apontam agudamente algumas das deficiências do enforque mais convencional. Ajustando-se mais à este último, cfr. o enfoque de José A. EZCURDIA, S. I.:
Perspectivas iusnaturalistas de los derechos humanos. Parte general, Madrid, 1987.
(18) Cfr. Alvaro D'ORS: «La guerra unilateral» La Ley (Buenos Aires), núm. 2 1 7 (1979). Juan Vallet de Goytisolo tem tratado especificamente deste tema, ademais de praticá-lo sempre no tratamento jurídico de qualquer questão. Cfr., por exemplo, «El hombre, sujeto de. la liberación », cit.; «Introducción al Derecho y a los denominados derechos humanos», Verbo (Madrid), núm. 259-260 (1987), págs. 1.017-1.026.
 
Fonte: Excerto do artigo do jurista espanhol Miguel Ayuso, "Libertad y Derechos Humanos", extraído da Revista Verbo (Madrid) Serie VIII, n.° 275-276, Junho de 1989, p. 691-693.

Tradução: Fernando Rodrigues Batista

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