Miguel AYUSO TORRES
Catedrático de Ciência Política e Direito Constitucional na
Universidade Pontifícia Comillas e presidente da União Internacional de
Juristas Católicos.
Se levarmos em conta a explicação do grande
jurista espanhol Alvaro D’Ors, a origem das distorções que se evidenciam no
esquema dos direitos humanos está precisamente ai: reside em que sua
fundamentação na chamada dignidade humana é falsa (14). Com a qual desenvolve
no terreno jurídico o que Leopoldo Eulogio Palacios finamente havia denunciado
como “O humanismo do bem congênito” (15). A pessoa humana – escreveu o grande
pensador falecido – não é na ordem moral um valor absoluto, ao contrário do que
ocorre no plano antológico. O que parece não ter sido levado em consideração
pelos pensadores contemporâneos que depositam na dignidade da pessoa humana a
base de seus programas jurídicos, sociais, políticos ou pedagógicos.
Para D’Ors, por conseguinte, os “direitos
humanos” pretendem se fundar na dignidade natural do homem, necessariamente
igual para todos, mas a dignidade supõe – e fundamenta seu pensamento em um
brilhante excurso lexicográfico e histórico – a conduta da pessoa e tão somente
a esta se pode atribuir direitos. Os denominados “direitos humanos” são, na
realidade, um arremedo de direito natural, mas, por isso mesmo, por serem
meramente naturais, não podem se fundar na dignidade que é própria das pessoas,
sujeitos de conduta responsável.
Finaliza assim sua exposição o professor
D’Ors: “Somente a pessoa poder sujeito de direitos e deveres, não a natureza.
Portanto, não se pode falar de direitos humanos universais, senão de direitos
concretos de cada pessoa. O direito natural o que faz é criar uma ordem relativa
à natureza humana que se apresenta como um conjunto de deveres para as pessoas;
por isso os Mandamentos da Lei de Deus são formulados como deveres e não como
direitos: deveres da pessoa em relação à natureza. O que a Declaração de
Direitos do Homem pretende fazer é atribuir direitos à natureza como reflexo
daqueles deveres, confundindo a natureza individual com a pessoa, e fundando
aqueles pretensos direitos em uma inexiste dignidade natural”. (16)
Em qualquer caso – independente do que
pensamos do que foi aludido —, tal referencia à dignidade humana apenas
disfarça uma radical relativização. No fundo, e pelo imanentismo subjacente, só
cabe uma concepção “estratégica” dos direitos humanos: pois ao se colocar o
fundamento no consenso (17) - ou qualquer fórmula de identifico significado –
referidos direitos ficam desvinculados da realidade e se convertem em meras
criações do intelecto humano; passam, portanto, a ser “inventos” dos filósofos
e ideólogos. Isto explica também sua unilateralidade, pois, não obstante a sua
denominação de universais, se aplicam unilateralmente, em favor de uns e contra
outros. Como explicou também D’Ors, os direitos humanos devem ser valorados
juridicamente de modo “objetivo”, em cotejo com a proteção de todos os afetados
por sua aplicação, que também são sujeitos humanos, e não como direitos
“subjetivos” unilateralmente contemplados (18). Nesse último modo – que é,
ademais, o habitual – se protege, para dar um exemplo bastante expressivo, aos
terroristas em detrimento de suas vitimas inocentes e dos servidores da ordem e
da paz social. Esta aplicação, a favor de uns e contra outros, sem confrontação
com os direitos dos demais, e essencialmente antijurídica, é a que foi imposta
desde 1789.
(14)
Cfr. Alvaro D'ORS: «La llamada dignidad humana», La Ley (Buenos Aires), núm.
148 (1980).
(15)
Cfr. Leopoldo EULOGIO PALACIOS: «El humanismo del bien congênito », Revista de
Estudios Políticos (Madrid), ntím. 1 1 0 (196Q), páginas 87-93. También en
Filosofia del saber, Madrid, 1962, págs. 398-407. Um maior desenvolvimento pode
encontrar-se em «La persona humana», capítulo XVIII del libro colectivo La
filosofía en el BUP, Madrid, 1977. Para uma valoração do pensamento de
Palacios, cfr. José Miguel GAMBRA: «El pensamiento político y religioso de Leopoldo
Eulogio Pateaos», Philosopbica (Valparaíso), núm. 6 (1983), págs. 215-232.
(16)
Alvaro D'ORS: op. cit.
(17)
Cfr., entre una extensa bibliografia, Antonio FERNÁNDEZ-GALIANO: Derecho
natural. Una introducción filosófica al Derecho, Madrid, 1977, págs. 161-169;
Carlos Ignacio MASSINI: «Derechos humanos y consenso», Verbo (Madrid), núm.
257-258 (1987). Já não se trata de que sejam poucos autores que acreditam que
hajam determinados direitos não derivados da lei positiva, senão que ainda
menos o são os que lhes reconheçam um valor absoluto. Cfr. Antonio Carlos
PEREIRA MENAUT: Lecciones de teoría constitucional, Madrid, 1987, cap. X,
especialmente, aonde se apontam agudamente algumas das deficiências do enforque
mais convencional. Ajustando-se mais à este último, cfr. o enfoque de José A.
EZCURDIA, S. I.:
Perspectivas
iusnaturalistas de los derechos humanos. Parte general, Madrid, 1987.
(18)
Cfr. Alvaro D'ORS: «La guerra unilateral» La Ley (Buenos Aires), núm. 2 1 7
(1979). Juan Vallet de Goytisolo tem tratado especificamente deste tema,
ademais de praticá-lo sempre no tratamento jurídico de qualquer questão. Cfr.,
por exemplo, «El hombre, sujeto de. la liberación », cit.; «Introducción al
Derecho y a los denominados derechos humanos», Verbo (Madrid), núm. 259-260
(1987), págs. 1.017-1.026.
Fonte: Excerto do artigo do jurista espanhol Miguel Ayuso, "Libertad y Derechos Humanos", extraído
da Revista Verbo (Madrid) Serie VIII, n.° 275-276, Junho de 1989, p. 691-693.
Tradução: Fernando Rodrigues Batista
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