RAFAEL GAMBRA CIUDAD
(21 de julho de 1920 - 13 de janeiro de 2004)
I –
OS FATOS
Ninguém deixa de observar que algo muito
grave para a sociedade e para o futuro está se projetando no âmbito do ensino.
Os fenômenos são patentes: uma propaganda massiva e em escala mundial exige a
generalização do ensino até o nível universitário, a “educação permanente”, sua
gratuidade total e ainda sua subvenção pessoal, ao mesmo tempo em que arremete
contra o chamando ensino “classista” reservado até agora “aos ricos”, e se
comprova com estatísticas habilmente manipuladas em que se evidencia que apenas
uma pequena porcentagem de universitários corresponde a filhos de operários.
Paralelamente, os ambientes rurais e os
ofícios manuais se dirigem para o ensino superior de tal maneira que, pela
primeira vez na história, nenhum deles conta com um porvir humano arraigado e
capaz de prolongá-lo.
A vida docente e universitária, por sua vez,
encontra-se em estado de colapso nos países ocidentais pelo incremento súbito
de alunos e por seu estado de sedição permanente, até o extremo de não ser
possível lecionar em muitas universidades se não sob a expressa presença da
força pública.
Os Estados, em fim, incapazes de conter o
fenômeno – ou interessados em seu futuro desenvolvimento -, promovem planos de
extensão e subvenção massiva do ensino, mesmo que tenha como conseqüência a
mais grave inflação ou a ruína do erário.
Compreender esta vertiginosa mutação em sua
gênese, causas e previsíveis conseqüências, é tema demasiado amplo e complexo.
Vou me limitar, por isso mesmo, a sugerir ao
leitor quatro pontos de possível meditação que o ajude a formar por si mesmo um
critério independente dos slogans em uso e da opinião televisiva.
II -
NOÇÃO DE ENSINO
Supor que o ensino e a cultura consistem em
algo que se realiza ou alcança exclusivamente nas aulas, estudando mediante
livros e explicações determinados conteúdos e programas, é uma restrição de
conceitos inspirada na mentalidade racionalista.
O básico e o principal que o homem aprende –
o mais firme e eficaz em sua formação – é o que aprende de seus pais, das
primeiras respostas destes, do ambiente familiar, do meio humano em que cresce
e, depois, da vida propriamente dita.
Com esta quantidade inicial de
reconhecimentos recebe as primeiras emoções e impulsos da vontade – o que nele
será indelével -; dai nascerão suas convicções e adições profundas, sua
re-ligação para com um mais além (religião), a orientação de sua atenção,
inclusive seus interesses e inclinações. Nos casos normais estes elementos que
o homem recebe do meio familiar, ambiental e vital serão – no conjunto de sua
cultura e cultivo – muito mais profundos e decisivos do que possa receber
depois de livros e centros de ensino. Cada um pode comprovar por si mesmo.
Mais ainda: a cultura de livros é amiúdo
deformante ou não passa de cultura postiça se não se edifica sobre este outro
ensino básico de educação fundamental ou familiar.
Dai que arrancar uma criança de seu lar para
encaminhá-la, em núcleos de concentração escolar, para um ensino superior, seja
privá-la de algo muito mais importante para ele do que aquilo que se pretende
lhe oferecer: frustrar nele seus pontos de referencia básicos, sua fé e
convicções profundas, o calor do lar, e converte-lo – em muitos casos – em um
homem espiritualmente anormal.
Não é necessário demonstração quando está ao
alcance uma simples amostra. Observai o ambiente humano que está sendo criado
nas atuais universidades, inclusive espanholas, aonde o numero de desarraigados
pela imigração escolar e pela cultura televisiva já impõem sua tônica. Não
espereis encontrar - como corresponderia à teoria – um meio de culto e fraterno
de “redimidos pela cultura”. Vereis, ao contrário, um ambiente desagradável e
insubordinado de cabeludos ou hippies, de ativistas revolucionários, de casais
lascivos exibicionistas, de sodomitas dissimulados, de drogados, de padres
“rebeldes”... e de rapazes e moças normais, mas em vias de se corromperem.
E os guardas – como imaginaríamos a Noé na
Arca – tratando de que conviva de alguma maneira aquela heterogênea tripulação.
III –
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (SÉC. XIX) E REVOLUÇÃO CULTURAL (SÉC. XX)
O parágrafo seguinte foi traduzido de uma
obra muito recente de Jules MONNEROT, o mais destacado tratadista atual do
marxismo (Sociologie de La Revolution, 7, 2, 2):
“Os
estudantes, pela maleabilidade da juventude, pela concentração geográfica de
que são objeto nas Universidades e nos campus em uma época em que seu numero
tem aumentado prodigiosamente, e na que muitos deles (é a ‘democratização’) não
foram previamente formados nas vigorosas tradições familiares, oferecem nos
anos sessenta um meio condutor semelhante em muitos aspectos ao proletariado
industrial de cento e vinte anos atrás: na proximidade estreita de indivíduos,
na homogeneidade relativa da idade, na fogosidade e no ativismo próprios da
juventude, e – digamos também – na ignorância. Ao que haveria de acrescentar,
em alguns países como a França, um ensino marxista, mais ou menos dissimulado,
recebido ‘mesclado’ nas escolas primárias e médias, com tudo o que isto implica
de anulação do espírito critico pessoal... Estes ‘estudantes’ estão
magnificamente preparados para uma pregação de tipo marxista, na mesma época em
que, ao contrário, as classes operárias das sociedades desenvolvidas o estão
cada vez menos. A propaganda marxista revolucionária poderá encontrar um
auditório novo entre estas massas de estudantes, cujo numero não cessa de
aumentar ao mesmo tempo em que o seu nível intelectual não cessa de diminuir”.
IV –
TRADICIONALISMO E ENSINO
O que correntemente se denomina ensino – a
instrução de livros e professores – é, sem duvida, necessário para homem que
vive em sociedade, com tal (como dissemos) que se edifique paralela e
harmonicamente com aquela outra proporcionada no ambiente familiar e humano. Os
pais carecem, geralmente, de tempo, meios e preparação para proporcionar por si
mesmos esta função docente. Ela há de proporcionar ao homem uma ampliação de
horizontes cognitivos e axiológicos, assim como os saberes necessários para
exercer uma profissão ou oficio. Um ensino básico ou geral é necessário a
qualquer homem, seja qual for sua ocupação: toda sociedade, portanto, há de
fornecer – de uma forma ou de outra – e facilitar um sistema de ensino básico
acessível para que dele façam uso todas as famílias na educação de seus filhos,
e o nível deste ensino básico ou geral deverá responder às necessidades
ambientais, crescendo à medida que o meio social exige dedicações mais
complexas e especializadas. Para além deste ensino geral básico existe outro
que é próprio daqueles que vão dedicar sua vida à investigação, à profissões
letradas ou àquelas outras técnicas que requerem um forte caudal de
conhecimentos especulativos. Este ensino já não é geral – nem parece desejável
que o seja -, posto que constitui uma dedicação na vida, e poucos, por lei
natural, os que haverão de exercê-la. Incentivar para que todos cursem este
nível de estudos implica uma imensa perda de energias e daria lugar a que a
grande maioria das funções da vida social fossem realizadas pela via do
fracasso nas profissões letradas ou cientificas.
Seria desejável que cursassem estes estudos
superiores e titulados apenas aqueles dotados de condições para os mesmos e com
decida vontade levá-los adiante. Fora destes, e em uma sã dinâmica da
sociedade, os homens deveriam prolongar – e melhorar – a profissão de seu meio
(familiar ou ambiental), para a qual encontrarão – em si mesmos - maiores
incentivos (decorrente de sua inclinação) e facilidades que para qualquer
outra.
Atualmente se fala muito de “igualdade de
oportunidades” e inclusive se erige como ideal na organização do ensino. Se por
tal se entende que todo individuo bem dotado intelectualmente e com decidida
vontade possa alcançar os meios econômicos necessários para ascender ao ensino
superior, o ideal é valido e desejável. Se se entende, em troca, o repasse ao
Estado da função docente e orientadora de todo indivíduo por meio de
obrigatoriedades e controles pedagógicos, tal sistema é nocivo e ruinoso moral
e economicamente para a sociedade. Constitui a dissolução paulatina da família,
à que se priva da tutela e orientação dos filhos, e contribui na criação de
massas de desarraigados sociais que são “presa fácil” para todas as paixões e
propagandas. Tal é a base sócio-política das chamadas “revoluções culturais”.
A sociedade anglo-saxônica – mais
conservadora – manteve até nossos dias a existência de “fundações docentes” que
financiam completamente os estudos superiores, em internato, de alunos
distintos capazes de conseguir uma vaga mediante difícil concorrência. Tais
centros possuem um caráter institucional próprio e diferencial, do qual seus
membros se tornam solidários como de uma coisa corporativamente própria, o que
lhes preserva da tendência massificadora. (Na Espanha teve este caráter o
Colégio do Patriarca, de Burjasot no qual se formaram numerosas personalidades
universitárias).
Quando o ambiente e a lei permitem – e ainda
fomentam – tais instituições é freqüente encontrar pessoas que transferem seus
bens para elas. Ninguém deixa seu dinheiro para realizações anônimas e
uniformes, mas sim para fundações que tenham o caráter e os fins que o fundador
deseja lhe imprimir, e em sua vida posterior a ajuda estatal (ou de corporações
públicas diversas) pode contribuir para mantê-las ou ampliá-las.
Quando em um país existe um bom número destas
fundações – e os governos federal, estadual e municipal sustentam também bolas
de rigorosa seleção – pode se assegurar que nenhuma verdadeira vocação
cientifica ou literária fique sem meios para seu desenvolvimento. E a
existência de tais instituições não perturba em nada com incitações de deserção
social nem com obrigatoriedades absurdas o vigor e autonomia das famílias nem a
reta dinâmica da sociedade. É possível, ao contrário, criar as mais justas e
desejáveis facilidades para o individuo dentro do princípio de subsidiariedade
em relação as funções da família e do meio local.
V- A
DISCRIMINAÇÃ DO AMANHÃ
A tendência socialista, ao converter o ensino
em função ‘social’, obrigatório, geral e subvencionado, reserva ao Estado o
controle sobre o destino profissional de cada cidadão, subtraindo-lhe o pátrio
poder. O principio geral em que se apóia é o de um ensino para todos “sem
discriminação de raça, posição econômica, religião (laica), sexo
(co-educativa), etc”. Já se chegou a pensar, no entanto, a que discriminação
nova conduzirá o sistema da absoluta igualdade e não-discriminação? Podemos
perguntar hoje a qualquer um porque é o que é (em sua profissão), e não outra
coisa. Se se trata de um enfermeiro, por exemplo, porque não é médico; se de um
pequeno comerciante, porque não é um grande exportador internacional; se de um
mestre de obras, porque não é um grande arquiteto, etc.
A resposta poderá ser: “Pois, veja você,
porque não me dediquei e ainda não fazia questão. Isto é pessoal, vi em minha
casa, é o que me interessou desde criança; me dediquei a isso e procurei
melhorar o quanto pude”. Ou esta outra: “Circunstancias da vida. Tive muitas
coisas para fazer e estou contente com isto”.
A resposta, em troca, no universo planificado
da “indiscriminação igualitária” só poderá ser uma: “Porque sou incapaz (ou
menos capaz): fui incentivado a crescer e me subvencionaram para isto. Mas...
em casa tenho o documento de reprovação ou o teste que comprava oficialmente
minha baixa capacidade”. Toda possibilidade de outra resposta foi eliminada.
Mas não se esqueça que é essa a única discriminação
intolerável para o ser humano: a inteligência – já foi dito – é o dom melhor
dividido: ninguém se lamenta se com ela for premiado.
Fonte:
Revista Verbo (Madrid) Serie IX, n. 89, Novembro de 1970, p. 889-895.
Tradução: Fernando Rodrigues Batista
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