Trazemos novamente aos leitores os preciosos ensinamentos de GUSTAVE THIBON, o autodidata genial de
Saint-Marcel-d'Ardèche. O presente trecho de seu conhecido livro "O que
Deus uniu" é necessário para compreensão do sentido sacrificial – sagrado,
sacro – do matrimônio. Sentido sacral que a todo custo quer ver fulminado o
veneno liberal como vimos no artigo anterior de José Pedro Galvão de Sousa. E
foi justamente com este intento funesto, o de golpear fatalmente os resquícios da
família natural, que “novamente” foi apresentado ao Senado o denominado “Estatuto das Famílias”, instrumento perverso elaborado pelo mais que revolucionário
IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Estiolada a família é a pátria mesmo que sucumbe. Defendamos a família natural sem capitular em nada.
Se
há tarefa tragicamente urgente para o moralista moderno é a de lembrar aos
homens a noção do sacrifício. Todos os desastres, todas as misérias do
casamento, procedem do esquecimento desta necessidade. Não concebo um casamento
feliz sem sacrifício mútuo. Não há nisto nenhum paradoxo. A primeira condição
da felicidade é não a procurar. Nesta ordem de ideias é lícito dizer, pondo ao
contrário as palavras evangélicas: Não procurei e encontrareis.
Um
homem nobre esforçar-se-á por viver como um homem; um homem vil procurará viver
feliz. O último procurará na terra as coisas e os seres que o poderão
satisfazer; o primeiro procurará os seres e as coisas a quem se possa imolar.
Não «arranjamos» uma esposa, damo-nos a ela. Casar é talvez o modo mais direto
e mais exclusivo de deixar de pertencer-se. Chesterton, lendo um jornal
americano onde dizia: «Todo o homem que se casa se deve convencer de que
renuncia a cinquenta por cento da sua independência», fazia notar: «Só no Novo
Mundo é possível um otimismo deste gênero!».
O
segredo da felicidade conjugal está em amar esta dependência. O ser que vive ao
nosso lado, devemos amá-lo menos na medida do que nos dá que na medida do que nos
custa.
A
vocação do casamento consagra-nos ao nosso cônjuge. Estas palavras têm um
grande alcance. Dão sentido a todos os nossos deveres e a todas as dores da
vida comum. Fazem sobretudo da felicidade conjugal, não há uma espécie de
sacrifício estéril, mas um ato religioso do mais alto valor humano.
Já
não sabemos ser fiéis porque não sabemos sacrificar-nos. Tantos homens há que
só amam pelo prazer imediato... Condenam-se, deste modo, a conhecer apenas a
superfície do objeto amado, e, quando esta superfície os desilude, a trocá-lo
por uma outra superfície, e assim por diante.
Andar
à volta de tudo e não chegar ao centro de nada, não será o que alguns denominam
plenitude e liberdade? É de tal maneira mais fácil correr do que aprofundar!
Mas aquele que quer saborear a profundidade de uma criatura deve saber
sacrificar-se por essa criatura; o seu amor deve superar as decepções, superar
o hábito; mais ainda, deve alimentar-se dessas decepções e desse hábito. O amor
humano tem a sua aridez e as suas noites; também ele não encontra o seu centro
definitivo senão para além da prova sofrida e vencida. Mas, uma vez chegado a
esse ponto, ele saboreará a riqueza, a pureza eterna da criatura pela qual se
imolou. Porque, se a criatura é tremendamente limitada em superfície, é
infinita em profundidade. É profunda até Deus. Sempre cantaram os poetas esta
captação amorosa do eterno através do ser efêmero:
Tu
que passas, tu que desvaneces,
busquei-te
para além dos dias e das sombras,
sobre
as praias invariáveis da vontade eterna...
Desci
às tuas entranhas,
mais
além dos latidos do teu coração,
mais
adentro que a fonte das tuas promessas
até
ao centro solene onde a tua vida se une à Vida,
até
ao fremir irrevogável,
até
à palpitação criadora de Deus!
― Eu
amo a tua alma!
Chegou
a falar-se do que a vida conjugal tem de banal, de monótono, de terra à terra.
Bem sabemos quanto o homem é capaz de banalizar e de prostituir as coisas mais
profundas. Mas, se a vida conjugal é muitas vezes vulgar, que se poderia dizer
da vida sexual extra-conjugal? Creio que uma das mais sutis malícias do demônio
é tentar persuadir os homens de que a ordem é a morte e a desordem a vida. Na
realidade, nada mais vulgar do que o vício. O demônio não é profundo ― não é
mais do que um revoltado. É um desertor que tenta fazer-se passar por
evadido...
As
humildes realidades da vida quotidiana, o cortejo de pequenos deveres e de
pequenos sofrimentos, em nada deverão alterar a pureza do amor nupcial. O
verdadeiro ideal tira nova seiva destas pequenas coisas. O realismo da vida
conjugal não tem por função profanar ou estiolar o ideal primitivo dos esposos,
mas purgar este ideal das ilusões que com ele se misturam, e não reter dele
mais do que a sua suprema essência. Na alma dos esposos que são dignos desse
nome, a união do mais elevado amor e das necessidades mais terrenas, mais
materiais, cria uma espécie de síntese do ideal e do real, uma espécie de
realismo do ideal, se assim me posso exprimir, que em parte alguma poderá
existir em tal grau.
Josefina
Soulary disse que Deus «se só estivesse lá em cima, não estaria em parte
alguma».
O
casamento é, por excelência, a vocação que permite pôr Deus no que a vida tem
aparentemente de mais comum e de mais banal.
Ia-me
esquecer de uma observação importante. O casamento deve ser um sacrifício, é
certo. Mas um sacrifício recíproco. Haverá algo de mais vão, de mais prejudicial
mesmo, do que uma imolação em sentido único? Dois egoísmos juntos travam-se
mutuamente e, de certo modo, neutralizam-se. Que caldo de cultura não seria
para as tendências egoístas de uma criatura o sentir em torno de se uma
atmosfera de dedicação infatigável! Todos conhecemos lares em que o espírito de
sacrifício de um dos esposos faz do outro um monstro de exigência e de egoísmo.
Cada esposo deve tirar do espetáculo de generosidade do seu cônjuge, não um
pretexto para fazer as suas vontades, mas um motivo para se imolar mais a si
mesmo.
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