JEAN MADIRAN (*)
(14 de Junho de 1920 – 31 de Julho de 2013)
OS DOIS SIGNIFICADOS DA PALAVRA “LIBERAL”
Liberal, da palavra latina liberalis, se diz daquele que é generoso
(capaz de "liberalidades") e, de modo geral, de tudo o que é digno de
uma pessoa de condição livre, em oposição à condição de escravo. Liberales artes ou doctrinae, as "artes liberais", é a erudição. Este
primeiro significado sobrevive mais ou menos na expressão: as "profissões
liberais" (advogado, médico, arquiteto, escritor, etc.), quer dizer, as
que se exercem mais livremente que as profissões assalariadas. A liberalidade
consiste, então, em ter a disposição a dar generosamente, ou então, o dom mesmo
feito com generosidade. Ser liberal, no sentido que empregam esta palavra
Bossuet, Moliere e La Fontaine, é o contrário de ser mesquinho ou avaro. Este
primeiro significado não faz nenhuma referência a uma doutrina política ou
moral particular.
O segundo significado é ideológico. O liberal
é então um partidário do liberalismo, doutrina que pode ser econômica, moral,
política, religiosa, que faz da liberdade o princípio diretor (supremo ou
inclusive único) da vida individual ou coletiva.
Ideologia por sua vez filosófica e religiosa,
política e moral, econômica e social, o liberalismo encontra resumida sua
expressão mais definitiva no hino que uma hierarquia maçônica fazia cantar em
1984 as organizações católicas no momento das manifestações pela liberdade
escolar: "Liberdade, creio que tu és
a única verdade."
O PRIMEIRO ERRO DO LIBERALISMO
Fazendo da liberdade o princípio supremo ou
único da organização política e social, o liberalismo comete o erro de não
reconhecer seu justo lugar a outros princípios, iguais ou superiores: entre
outros o princípio nacional, enaltecido pelo nacionalismo, já que eleva o bem
comum nacional acima dos interesses particulares.
O SEGUNDO ERRO DO LIBERALISMO
Ademais, a liberdade da qual o liberalismo
faz seu princípio supremo não é qualquer liberdade abstrata ou concreta. É uma
certa liberdade: a entendida em seu sentido muito determinado, aquele da "declaração dos direitos do homem"
de 1789.
OS DIREITOS DO HOMEM
Os próceres do liberalismo reconhecem
unanimemente que "os direitos do
homem são o problema fundamental do mundo de hoje". Eles deixam 1793
para a "esquerda marxista"
e reclamam a de 1789 como se fosse "a
propriedade dos liberais" e sua "herança".
Não digo que aprove que os liberais invoquem
continuamente os "direitos do
homem" em geral, mais do que falar a uns e a outros de seus deveres
recíprocos, mas posso compreendê-lo de parte dos parlamentares que imaginam
dirigir-se a seus futuros eleitores.
Sem embargo, existem outras "declarações de direitos" além
daquela de 1789. Existe a "declaração
universal dos direitos do homem" feita pela ONU em 1948. Por sua
origem e por seu destino é muito mais
"universal" e, de certa forma, mais oficial que a de 1789. Por
outro lado e diferencialmente, mencionamos os direitos da família, que com
frequência os católicos invocam quando desejam mostrar que eles também podem
falar dos "direitos do homem",
ressaltando sua necessidade, o que é menos criticável. E primeiramente estava a
declaração americana de 1776, que se em vários de seus artículos não era muito
melhor que a francesa de 1789, tinha ao menos a seu favor a vantagem de invocar
a Deus e de fundar os direitos do homem mais sobre a vontade divina do que
sobre o arbítrio humano.
Teoricamente existe uma certa margem de
escolha. Entre estas diversas declarações de direitos os liberais têm o costume
de apoiar-se naquela que é mais discutível, em todo caso certamente a mais
maçônica: a de 1789.
O PLANO MAÇÔNICO
A "declaração
dos direitos do homem" e "do
cidadão" de 26 de agosto de 1789 figura no preâmbulo da primeira Constituição
francesa, que foi a de 3 de setembro de 1791.
A Constituição de 1791 não é, em resumo, mais
que a primeira Constituição política da França. Outra Constituição a precedeu,
consequência ainda mais direta, mais próxima, da Declaração dos direitos de
1789, foi uma constituição religiosa: a "constituição
civil do clero" de 12 de julho de 1790.
Pois, se Declaração maçônica dos direitos de
1789 era dirigida contra o "Antigo
Regime" em geral, estava mais direcionada contra o Antigo Regime
religioso do que contra o Antigo Regime político; mais contra a Igreja que
contra a monarquia, e é por isso que a Constituição política de 1791 define
então a França como um "reino",
declara que o "governo é
monárquico" e que é exercido "pelo
rei"; e que o "trono se
delega hereditariamente a linhagem reinante de varão a varão, por ordem de
primogenitura". No entanto, mais de um ano antes, a constituição
religiosa de 1790 havia juridicamente desintegrado a Igreja católica da França.
Este plano maçônico contra a Igreja foi de
tal modo prioritário, que foi posto em prática pela Assembleia constituinte
desde 20 de agosto de 1789, ou seja, antes mesmo de terminada a Declaração dos
direitos do homem. Era a primeira prioridade. Assim, a cronologia mostra que já
o "liberalismo" de 1789, do
qual fazem referência nossos liberais, era essencialmente anticatólico.
A Declaração dos direitos de 1789 continha
sem dúvida a condenação de um certo número de abusos efetivamente condenáveis e
unanimemente reprovados. Mas continha também a formação doutrinal do plano anticatólico da Franco-Maçonaria, através de uma nova definição do que deve ser a
liberdade e do que é necessário rechaçar como arbitrário; em seguida, toda
autoridade que não proceda expressamente da vontade geral manifestada pelo
sufrágio universal deve ser considerada como uma autoridade arbitrária, sendo
um intolerável ataque a liberdade. É o resultante dos artigos 3° e 6° e que, de
outro lado, confirmaria a Declaração Universal da ONU de 1948.
Proclamando que as únicas autoridades
legítimas são aquelas que emanam expressamente da vontade geral, os redatores
da Declaração de 1789 podem não haver se dado conta de que aboliam assim a
autoridade do homem sobre a mulher no matrimônio, a dos pais sobre os filhos, a
do mestre sobre os alunos e assim sucessivamente. A lógica do demônio seguirá
seu curso anárquico no século XIX e, sobretudo no século XX. Mas a Franco-Maçonaria,
inspiradora e promotora da Declaração, sabia bem que assim colocaria fora da
lei, como contrários aos Direitos do Homem, toda ideia de uma Lei Divina
superior a consciência humana e toda autoridade espiritual da Igreja Católica.
Em consequência, desde 1790 foi decretado que os Bispos, daí em diante, seriam
eleitos pelo colégio departamental dos eleitores ordinários, incluídos os
eleitores não católicos ou incrédulos.
A Declaração Maçônica de 1789 estava, pois,
dirigida contra a religião católica. Michelet tinha toda razão ao designá-la
como "o credo da nova idade":
quer dizer, destinada a tomar o lugar de Eu creio em Deus. A liberdade de 1789
é a de "nem Deus, nem senhor".
A partir daí, a única moral, a única religião eventualmente admissível é aquela
da qual cada consciência, em sua criatividade soberana, se forja uma ideia
subjetiva, válida somente para ela mesma. A isto se dá o nome também de “antidogmatismo”.
UM IDEAL CARACTERÍSTICO
A pergunta que surge a propósito dos liberais
não é a de sua dependência, de alguma maneira administrativa, a uma obediência
maçônica. Não é que esta pergunta não tenha importância, mas, como sabê-lo? A
dependência pode ser secreta e publicamente negada. É a diferença em relação a
uma dependência religiosa. Um católico não é de nenhum modo obrigado por sua
religião a manifestar que é membro do Touring Club da França ou da Associação
Guillaume Budé, que aprova os amigos de Robert Brasillach, ou do Socorro da
França: mas jamais tem o direito, ainda que tivesse que dar sua vida, de
dissimular que é católico. Ao contrário, parece que a ética maçônica reconhece
o direito, eventualmente o dever dos franco-maçons, de dissimular que o são.
Por outra parte, existem pessoas que se tornam franco-maçons para gozar de maior
êxito em sua carreira financeira, administrativa ou política, sem comprometer
suas convicções. Sem dúvida eles subestimam o fato de que a solidariedade
maçônica possa levá-los muito mais longe do que pensam. Que tal ou qual liberal
seja membro de uma loja e que o seja com esta ou aquela intenção não o sei e
não tenho nenhum modo de sabê-lo com certeza. No entanto, os liberais são os
pregadores e os apóstolos do Liberalismo Maçônico de 1789, cujo segundo
centenário foi fervorosamente celebrado. Por seu ideal de referência e por sua
doutrina assim invocada são franco-maçons.
UMA REIVINDICAÇÃO LIMITADA
Será necessário esclarecer? Analisando a
natureza maçônica do Liberalismo francês não sigo de forma alguma o plano
inquisitorial, e que seria utópico na V República tal como esta constituída, de
proibir os franco-maçons de participarem da vida pública. Meu plano é muito
mais modesto; muito mais limitado; mas é "democraticamente" legítimo:
é que pudéssemos ser representados, nós que não temos relação com a Franco-Maçonaria,
por pessoas que não sejam franco-maçons de fato ou de coração. Os liberais não
são forçosamente franco-maçons de fato; são franco-maçons de coração e por isso
seus corações nos são revelados exatamente por seus discursos sobre a
declaração dos direitos s de 1789. À medida que se aprende a conhecer um pouco
melhor a essência dos partidos políticos, da representação parlamentar, da
imprensa, se adverte que os franco-maçons souberam perfeitamente estabelecer-se
nas formações e nos jornais com vocação de servir-lhes. Mas também nos outros.
Em todos os outros ou em quase todos.
Meu plano, a este respeito, modesto e
limitado, sempre foi criar, favorecer, ampliar um espaço de liberdade social e
política onde os franceses de tradição nacional e católica pudessem
reconhecer-se, informar-se, instruir-se, sem serem acompanhados e influenciados
por aqueles, conscientes ou não, mais ou menos afiliados secretamente a franco
maçonaria ou intelectualmente anexados a seu ideal "antidogmático".
*******
Fonte: Publicado na Revista "Roma" N 98, de março de
1987.
Tradução: Fernando Rodrigues Batista
(*) Sobre a vida e obra de JEAN MADIRAN sugere-se a leitura do excelente artigo de
MIGUEL AYUSO:
http://tradiciondigital.es/2013/08/05/jean-madiran-1920-2013-el-ultimo-discipulo-de-maurras/
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